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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

RETRATO DO JURISTA MODERNO

de Guilherme Couto de Castro

Na entrada de toda Faculdade de Direito deveria existir a seguinte advertência: “O jurista é a voz da verdade”.

E, logo abaixo, em nome da sinceridade, com letras menores: “Dois juristas, duas verdades em colisão. Três juristas, duas correntes e uma posição intermediária”.

Recente pesquisa indicou que, em média, os casais se relacionam sexualmente duas ou três vezes por semana. A média do jurista é toda diferente: é uma equação estéril, em que as fantasias são idéias e concepções que levam de nada a lugar nenhum.

Veja-se: há duas espécies de juristas. Há os que dividem tudo em duas categorias e os que não o fazem.

Os que dividem tudo em duas categorias também se dividem em duas categorias: os muito vaidosos e os mais ainda.

Há juristas que figuram em bancas examinadoras de concursos, e os que não o fazem. Dentre os examinadores há uma ampla parcela apegada a classificações artificiais, aleijadas e sem qualquer sentido, que entram e saem de moda. O outro grupo é o dos examinadores que perguntam questões importantes para o dia-a-dia; eles fazem indagações técnicas, que aferem o raciocínio e o conhecimento do candidato. O problema é que o único lugar em que essa espécie de jurista é encontrada, infelizmente, parece ser o cemitério.

Há os juristas acadêmicos e os não-acadêmicos. Os acadêmicos se dividem em dois grupos: os modernos e os hodiernos. Os modernos se julgam hodiernos, e os hodiernos se julgam modernos. Um se crê paradigma pós-moderno da axiologia do novo milênio e o outro se diz modelo axiológico do milênio pós-moderno. Ambos não falam calendário, e sim calendário-acadêmico; não falam ano, e sim ano-acadêmico. Em suma: só prestam atenção ao som do linguajar carimbado (atenção-acadêmica, claro).

Há juristas que dão parecer e os que não o fazem (a segunda categoria existe tão-só quando não há solicitação vantajosa). Entre os que dão pareceres, há dois grupos: há os que cobram preço variado, e há os que o fazem por trinta dinheiros.

Há os juristas que vivem pra receber elogios, e os que vivem de fazer elogios. Os que vivem para engrandecer os outros são em elevadíssimo número; todos almejam chegar ao outro grupo, para viver sendo elogiado. O grupo menor – o que vive de receber elogios – é formado pelos bem-sucedidos que um dia pertenceram ao grupo antigo. Embora estejam agora no grupo menor, guardam resquícios do antigo tempo, em que viviam lustrando botas alheias. Assim, ainda têm a mania dos fáceis elogios e das blandícias, mas agora a exercitam reciprocamente, entre membros do seleto grupo ou, mais comumente, em auto-elogios e elogios a espelhos.

Felizmente, não temos o problema do terrorismo, no Brasil. Se existisse, o grupo mais fácil de matar seria o dos juristas: bastaria, tão-só, atirar no saco de um Ministro. Os jurisconsultos morreriam aos montes.

Mas em um ponto parece não haver bifurcação entre juristas; quase todos cabem nas palavras de Schopenhauer: “essas pessoas apresentam o que tem a dizer em fórmulas forçadas, difíceis, com neologismos e frases prolixas”. O filósofo completou: “quem tem algo digno de ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras”.

A má notícia é que poucos entenderam Schopenhauer.

Mas, pelo menos, há duas boas notícias. A primeira: há juristas que não se enquadram no quadro descrito (o subscritor, o leitor e nossos familiares), e os que se enquadram (todos os outros).

A segunda: já desvendaram o genoma do ser humano. O do jurista vai levar mais tempo, mas virá; segundo os biomédicos, o problema é que, para cada gene do jurista, há duas correntes e uma posição intermediária.
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REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Guilherme Couto de Castro: Juiz Federal - titular da 19ª Vara Federal - RJ, com várias convocações para o TRF 2ª Região, desde 1999; Professor de Direito Civil da UERJ; Mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ - Concentração em Direito da Cidade - 1996); Integrou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (1986 - 1989); Graduação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ (1980 - 1984); Autor do livro A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro, 3ª edição - Editora Forense; Direito Civil Lições - 1ª edição - Editora Impetus.
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